Aos poucos fui me acalmando, e percebendo que havia apenas sonhado e estava
de volta a minha casa e a segurança de meu quarto, pois o ‘Raptor’ era meu
aviãozinho e eu estava com certeza em meu quarto. Aquela experiência assustadora
tinha sido apenas um sonho ruim. O ‘Raptor’ ainda continuava balançando muito.
Movimentei meus olhos bem devagar procurando o que pudesse tê-lo balançado.
Não tinha ninguém no quarto, e
estando a porta e a janela fechadas, não entendi porque ele se balançava tanto.
Senti então o meu coração bater mais depressa, voltando a me lembrar do sonho.
Respirei bem devagar e fiquei observando se tinha por acaso uma corrente de ar
que pudesse ter entrado no quarto fazendo com que ele se balançasse, e ainda
meio assustado olhei na direção da janela.
Engraçado, parecia que algo me
puxava pra perto dela. Da cama dava para ver através do vidro, que os galhos
das árvores estavam bem próximos da casa se movimentando bastante e esse movimento
atraiu minha atenção. Então resolvi dar uma olhada mais de perto e meu coração
acelerou mais ainda.
Levantei-me bem devagar com a
intenção de me aproximar com muita calma da janela; neste momento depois do
primeiro passo ouvi um ruído que mais se parecia um assopro muito forte, agora
já não sentia meu coração, era como se eu estivesse pulsando inteiro, sentia o
sangue circular nas minhas veias com muita velocidade. Continuei então a andar
e no segundo passo um barulho mais forte ainda, um relâmpago que clareou todo o
quarto e um trovão que fez todo o chão tremer.
Parecia que o céu se rasgava de
um lado para o outro com a claridade de outro relâmpago silencioso. Então me
senti inspirado dar mais um passo. Agora outros dois estrondos viriam em seguida,
o primeiro fez tremer a casa toda, o segundo parecia ainda mais forte que os
outros e gelei por inteiro. No momento daquele terceiro estrondo, senti o chão
sair de baixo de meus pés, era como se a casa afundasse. As árvores continuavam
balançando muito, e agora também um assovio intenso gerado pelas rajadas de
vento.
Parecia que havia muitas pessoas assoviando debaixo da janela e eu ouvia
como se estas pessoas também conversassem todas ao mesmo tempo junto com
aqueles vários ruídos da chuva que naquela hora começava a cair, e também dos
ventos.
Eu estava obstinado e continuei a
me aproximar da janela. Parece que quanto mais eu me aproximava dela, mais o
tempo piorava. Era como se alguma coisa quisesse me impedir de chegar à janela.
Então me iluminei com um sentimento de força e muita garra que não sei de onde
veio. Fechei meus olhos e naquele instante que fiquei com os olhos fechados,
uma voz surgiu dentro de mim, me enchendo de coragem, e dizendo:
“Pedro, seja forte! Você pode
chegar lá, é só acreditar”.
Me senti bastante motivado por
esta voz. Então continuei a caminhar e a cada passo, algo diferente acontecia.
Desta vez a casa começou a tremer e os galhos das árvores começaram a arranhar
os vidros da janela, aquelas vozes também ficaram mais fortes, a cama começou a
se deslocar com o tremor da casa, meus brinquedos se espalharam por todo o
quarto. Ao ver aquela desordem a meu lado, senti novamente o desejo de ir em
frente, e continuei a me aproximar da janela.
Quando estava próximo de tocá-la senti
por fim que meus pés começavam a afundar. Eu já não tinha forças para
levantá-los e tirá-los do chão. A atração que sentia era maior e parecia que um
furacão se aproximava e arrancava todas as casas próximas e todos os ruídos
estavam muito, muito mais altos e as vozes agora diziam: “não, não, não”. Tudo tremia, o barulho era horripilante e
assustador...
Neste momento Pedro para de narrar aquela
história, olha para o pai que também o olhava atentamente com olhar bem firme e
tranquilo, e depois de um breve silêncio continua:
– Papai!... Mesmo assustado e com
coração batendo muito forte, eu não tive medo, a garra que senti naqueles
caçadores de meu sonho, me fortaleceram. Estiquei-me ao máximo, pois não
conseguia levantar ainda meus pés, e toquei então com a ponta de meus dedos, o
pino do trinco da janela. Forcei mais um pouco e dava pra sentir que eu estava
sendo engolido pelo chão e os ruídos aumentavam ainda mais e os tremores
também.
O barulho que ouvia e sentia a
minha volta, era ensurdecedor. Era como se aquele furacão, estivesse arrancado
também a nossa casa, e a jogado em um redemoinho de vento. Aquela força que
tentava me impedir de chegar à janela, ao se ver próxima de ser derrotada,
queria se certificar que eu desistiria, mas... ela estava enganada. Continuei
determinado e obstinado a abrir a janela.
Fui movendo o pino para um lado,
e para o outro com a ponta dos dedos, e consegui segurar nele com apenas dois
dedos. Mais não tinha força para puxá-lo, faltava algo, precisava de um
impulso, uma ajuda. Então abaixei a cabeça, olhei para meus pés, e não os vi,
pois já estavam completamente enterrados no piso do quarto. Fechei os olhos
pensando como conseguiria mais forças.
O desejo dentro de mim era muito
grande. Aquela força interior continuava a me abastecer de vontade e coragem,
mas ainda era pouco. Eu não sabia onde conseguir mais energia. Em segundos uma
imagem me veio à mente, algo muito claro, e reluzente; lembrei-me do que vi
dentro do olhar de Vick, aquele brilho, aquela paz, aquela tranquilidade e
confiança, era como se alguma coisa entrasse em mim através do olhar dela, por
aquele brilho que havia visto, e sentido na tarde anterior.
Então desejei profundamente tê-la
a minha frente, com aqueles olhos azuis que me encantaram. E aconteceu algo
maravilhoso. Eu a vi em minha frente! Não era a imagem dela papai, mas o brilho
era o mesmo. Era como se ela estivesse bem na minha frente e olhando pra mim
com aquele olhar cheio de energia. Senti então, que não mais afundava.
Continuei com os olhos fechados e
visualizando aquele brilho que vinha do olhar dela consegui segurar mais firme
o trinco e com mais um pouco de força o movimentei lateralmente conseguindo
destravar a janela abrindo-a de uma só vez...
Quando terminei de abri-la tive
uma surpresa, ainda com os olhos fechados, continuei vislumbrando o olhar de
Vick. E depois alguns segundos, aquela luz encantadora sumiu. Senti que meus
pés, foram saindo de dentro do chão. Então os levantei e movi os dedos dos pés.
Percebi então, que estavam sobre o chão. Abri os olhos e todo aquele barulho
havia desaparecido. Nada tremia mais, levantei então a cabeça bem devagar e
olhei para fora com aquele olhar desconfiado, tentando ver alguma coisa
diferente.
Dei uma conferida em tudo a minha
volta, e estava tudo tranquilo, tudo calmo, e só uma brisa bem suave que
balançava os arbustos que ficavam afastados da casa. Eu havia me esquecido que
não tínhamos nenhuma árvore próxima de nossa casa. E de onde veio àquela que
arranhava constantemente o vidro da janela?
Meus brinquedos continuavam
guardados em seus lugares. A cama não tinha saído de seu lugar, e estava tudo
normal como se nada tivesse acontecido. Sem entender nada, comecei a observar
todo detalhe, de tudo que podia ser visto de minha janela, a imagem era a mesma,
a esquina perto da casa de Vick, o telhado das casas, além dos telhados bem
mais ao fundo, o cafezal do seu Hikeda, e mais além o primeiro dos três montes
da Montanha da Luz.