quinta-feira, 21 de abril de 2016

Eis um trecho da história...

   Aos poucos fui me acalmando, e percebendo que havia apenas sonhado e estava de volta a minha casa e a segurança de meu quarto, pois o ‘Raptor’ era meu aviãozinho e eu estava com certeza em meu quarto. Aquela experiência assustadora tinha sido apenas um sonho ruim. O ‘Raptor’ ainda continuava balançando muito. Movimentei meus olhos bem devagar procurando o que pudesse tê-lo balançado.
Não tinha ninguém no quarto, e estando a porta e a janela fechadas, não entendi porque ele se balançava tanto. Senti então o meu coração bater mais depressa, voltando a me lembrar do sonho. Respirei bem devagar e fiquei observando se tinha por acaso uma corrente de ar que pudesse ter entrado no quarto fazendo com que ele se balançasse, e ainda meio assustado olhei na direção da janela.
Engraçado, parecia que algo me puxava pra perto dela. Da cama dava para ver através do vidro, que os galhos das árvores estavam bem próximos da casa se movimentando bastante e esse movimento atraiu minha atenção. Então resolvi dar uma olhada mais de perto e meu coração acelerou mais ainda.
Levantei-me bem devagar com a intenção de me aproximar com muita calma da janela; neste momento depois do primeiro passo ouvi um ruído que mais se parecia um assopro muito forte, agora já não sentia meu coração, era como se eu estivesse pulsando inteiro, sentia o sangue circular nas minhas veias com muita velocidade. Continuei então a andar e no segundo passo um barulho mais forte ainda, um relâmpago que clareou todo o quarto e um trovão que fez todo o chão tremer.
Parecia que o céu se rasgava de um lado para o outro com a claridade de outro relâmpago silencioso. Então me senti inspirado dar mais um passo. Agora outros dois estrondos viriam em seguida, o primeiro fez tremer a casa toda, o segundo parecia ainda mais forte que os outros e gelei por inteiro. No momento daquele terceiro estrondo, senti o chão sair de baixo de meus pés, era como se a casa afundasse. As árvores continuavam balançando muito, e agora também um assovio intenso gerado pelas rajadas de vento.
   Parecia que havia muitas pessoas assoviando debaixo da janela e eu ouvia como se estas pessoas também conversassem todas ao mesmo tempo junto com aqueles vários ruídos da chuva que naquela hora começava a cair, e também dos ventos.
Eu estava obstinado e continuei a me aproximar da janela. Parece que quanto mais eu me aproximava dela, mais o tempo piorava. Era como se alguma coisa quisesse me impedir de chegar à janela. Então me iluminei com um sentimento de força e muita garra que não sei de onde veio. Fechei meus olhos e naquele instante que fiquei com os olhos fechados, uma voz surgiu dentro de mim, me enchendo de coragem, e dizendo:
“Pedro, seja forte! Você pode chegar lá, é só acreditar”.
Me senti bastante motivado por esta voz. Então continuei a caminhar e a cada passo, algo diferente acontecia. Desta vez a casa começou a tremer e os galhos das árvores começaram a arranhar os vidros da janela, aquelas vozes também ficaram mais fortes, a cama começou a se deslocar com o tremor da casa, meus brinquedos se espalharam por todo o quarto. Ao ver aquela desordem a meu lado, senti novamente o desejo de ir em frente, e continuei a me aproximar da janela.
Quando estava próximo de tocá-la senti por fim que meus pés começavam a afundar. Eu já não tinha forças para levantá-los e tirá-los do chão. A atração que sentia era maior e parecia que um furacão se aproximava e arrancava todas as casas próximas e todos os ruídos estavam muito, muito mais altos e as vozes agora diziam: “não, não, não”.  Tudo tremia, o barulho era horripilante e assustador...
   Neste momento Pedro para de narrar aquela história, olha para o pai que também o olhava atentamente com olhar bem firme e tranquilo, e depois de um breve silêncio continua:
– Papai!... Mesmo assustado e com coração batendo muito forte, eu não tive medo, a garra que senti naqueles caçadores de meu sonho, me fortaleceram. Estiquei-me ao máximo, pois não conseguia levantar ainda meus pés, e toquei então com a ponta de meus dedos, o pino do trinco da janela. Forcei mais um pouco e dava pra sentir que eu estava sendo engolido pelo chão e os ruídos aumentavam ainda mais e os tremores também.
O barulho que ouvia e sentia a minha volta, era ensurdecedor. Era como se aquele furacão, estivesse arrancado também a nossa casa, e a jogado em um redemoinho de vento. Aquela força que tentava me impedir de chegar à janela, ao se ver próxima de ser derrotada, queria se certificar que eu desistiria, mas... ela estava enganada. Continuei determinado e obstinado a abrir a janela.
Fui movendo o pino para um lado, e para o outro com a ponta dos dedos, e consegui segurar nele com apenas dois dedos. Mais não tinha força para puxá-lo, faltava algo, precisava de um impulso, uma ajuda. Então abaixei a cabeça, olhei para meus pés, e não os vi, pois já estavam completamente enterrados no piso do quarto. Fechei os olhos pensando como conseguiria mais forças.
O desejo dentro de mim era muito grande. Aquela força interior continuava a me abastecer de vontade e coragem, mas ainda era pouco. Eu não sabia onde conseguir mais energia. Em segundos uma imagem me veio à mente, algo muito claro, e reluzente; lembrei-me do que vi dentro do olhar de Vick, aquele brilho, aquela paz, aquela tranquilidade e confiança, era como se alguma coisa entrasse em mim através do olhar dela, por aquele brilho que havia visto, e sentido na tarde anterior.
Então desejei profundamente tê-la a minha frente, com aqueles olhos azuis que me encantaram. E aconteceu algo maravilhoso. Eu a vi em minha frente! Não era a imagem dela papai, mas o brilho era o mesmo. Era como se ela estivesse bem na minha frente e olhando pra mim com aquele olhar cheio de energia. Senti então, que não mais afundava.
Continuei com os olhos fechados e visualizando aquele brilho que vinha do olhar dela consegui segurar mais firme o trinco e com mais um pouco de força o movimentei lateralmente conseguindo destravar a janela abrindo-a de uma só vez...
Quando terminei de abri-la tive uma surpresa, ainda com os olhos fechados, continuei vislumbrando o olhar de Vick. E depois alguns segundos, aquela luz encantadora sumiu. Senti que meus pés, foram saindo de dentro do chão. Então os levantei e movi os dedos dos pés. Percebi então, que estavam sobre o chão. Abri os olhos e todo aquele barulho havia desaparecido. Nada tremia mais, levantei então a cabeça bem devagar e olhei para fora com aquele olhar desconfiado, tentando ver alguma coisa diferente.
Dei uma conferida em tudo a minha volta, e estava tudo tranquilo, tudo calmo, e só uma brisa bem suave que balançava os arbustos que ficavam afastados da casa. Eu havia me esquecido que não tínhamos nenhuma árvore próxima de nossa casa. E de onde veio àquela que arranhava constantemente o vidro da janela?

Meus brinquedos continuavam guardados em seus lugares. A cama não tinha saído de seu lugar, e estava tudo normal como se nada tivesse acontecido. Sem entender nada, comecei a observar todo detalhe, de tudo que podia ser visto de minha janela, a imagem era a mesma, a esquina perto da casa de Vick, o telhado das casas, além dos telhados bem mais ao fundo, o cafezal do seu Hikeda, e mais além o primeiro dos três montes da Montanha da Luz.